Quando o pretérito mais- que- perfeito está de acordo com a norma culta?



1) Um leitor relata que uma colega de trabalho, em suas peças jurídicas, usa do pretérito mais-que-perfeito o tempo todo, nos lugares em que o normal seria empregar o pretérito perfeito. E indaga se essa é uma opção estilística válida, ou se há equívoco na utilização indiscriminada desse tempo verbal.
2) Em termos de fixação de premissas, observe-se que o pretérito perfeito indica uma ação terminada ("Fiz o trabalho"), enquanto o pretérito mais-que-perfeito aponta uma ação passada em relação ao próprio perfeito ("Quando ela chegou, eu já fizera [ou tinha feito] o trabalho".
3) Para Evanildo Bechara, em seu emprego clássico, o pretérito mais-que-perfeito "denota uma ação anterior a outra já passada"1, e isso se pode observar com facilidade em exemplo de autor inquestionável: "No dia seguinte, antes de me recitar nada, explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima..." (Machado de Assis).
4) Em segunda possibilidade de emprego, o pretérito mais-que-perfeito pode, sem correlação com outra ação passada, denotar um fato vagamente situado no passado, como se dá no seguinte exemplo: "Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos" (Monteiro Lobato).
5) E, para o que interessa aqui, não há outra permissão para emprego do pretérito mais-que-perfeito.
6) Respondendo de modo mais direto ao leitor, pode-se dizer que, se não ocorre nenhum dos casos citados – (i) nem ação anterior a outra já passada, (ii) nem fato vagamente situado no passado, mesmo sem correlação com outra ação passada – , mas se lança mão do pretérito mais-que-perfeito como simples equivalente do pretérito perfeito, então o que há é um equívoco nesse indiscriminado emprego de tempo verbal.

Do Migalhas

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